domingo, 31 de agosto de 2014

Conhecimento do Senhor – buscando para transmitir

“Quando, enfim, toda aquela geração tinha se juntado aos seus antepassados, levantou-se outra geração que não conhecia ADONAI, nem as obras que ele tinha feito em favo de Yisra’el [Israel].”
(Shof’tim [Juízes] 2.10 BJC [Bíblia Judaica Completa])

            Durante a última semana tenho pensado muito a respeito do que estou gerando em meus filhos. Lembrei-me deste versículo e de uma mensagem pregada pelo pastor Ed Rene Kivitz sobre as descendências do povo de Yisra’el [Israel] e passei a meditar sobre o conhecimento do Senhor que possuo e o conhecimento que tenho transmitido a todos aqueles que estão ao meu lado.
            Considero este um assunto de suma importância, visto que o próprio Tanakh [Antigo Testamento] menciona que foi a falta do conhecimento de Deus nas novas gerações que fez com que o povo de Yisra’el abandonasse ao Deus Vivo e adorasse a falsos ídolos. Diante deste pensamento, gostaria de ressaltar um dos textos mais tristes em toda a Bíblia que ocorreu durante a época dos juízes em Yisra’el.

“Havia um homem das montanhas de Efrayim [Efraim] chamado Mikhay’hu [Micaías – traduzido por Mica nas Bíblias em português]. Ele disse à sua mãe: ‘Sabe aquelas 1.100 peças de prata que foram tiradas de você – pelas quais você pronunciou uma maldição e me falou a respeito? Pois bem, o dinheiro está comigo. Eu o peguei”. Sua mãe lhe disse: ‘Que ADONAI o abençoe, meu filho’. Quando ele devolveu as 1.100 peças de prata para sua mãe, ela declarou: ‘Solenemente, eu dedico este dinheiro a ADONAI, para que meu filho faça uma imagem esculpida e a revista de prata. Portanto, agora eu o estou devolvendo a você'. Ele, porém, devolveu o dinheiro à sua mãe, e ela tomou 200 peças de prata e deu-as ao ourives, que fez uma imagem esculpida, revestida de prata, a qual foi colocada na casa de Mikhay’hu. Esse homem, Mikhah [Mica], possuía uma casa de Deus; então ele fez uma veste ritual e deuses domésticos e consagrou um de seus filhos, o qual se tornou seu kohen [sacerdote]. Naquele tempo, não havia rei em Yisra’el; um homem simplesmente fazia o que pensava estar certo.”.
“Havia um jovem de Beit-Lechem [Belém], em Y’hudah [Judá], da família de Y’hudah, que era um levi [levita]. Ele habitava em Beit-Lechem, mas deixou aquela cidade para encontrar outro lugar para viver; e veio para as regiões de Efrayim, onde acabou tomando o caminho da casa de Mikhah. Mikhah lhe perguntou: ‘De onde você está vindo? ’. Ele respondeu: ‘Eu sou um levi de Beit-Lechem, em Y’hudah, e estou procurando um lugar para viver’. Mikhah respondeu: ‘Fique comigo, e seja um pai e um kohen para mim; eu darei a você 10 peças de prata por ano, além de roupa e comida’. Então o levi foi e concordou em ficar com aquele homem; o jovem tornou-se como um de seus filhos. Depois que Mikhah consagrou o levi, o jovem tornou-se seu kohen e ficou ali na casa de Mikhah. Mikhah declarou: ‘Agora sei que ADONAI me tratará bem, porque tenho um levi por kohen.”
(Shof’tim 17.1 a 13 BJC)

            Este é o primeiro dos cinco capítulos mais trágicos do livro dos Shof’tim [Juízes] em que praticamente em todos lemos o texto: “Naquele tempo, não havia rei em Yisra’el; um homem simplesmente fazia o que pensava estar certo.” Estes capítulos (Shof’tim 17 a 21) narram a degradação na vida do povo de Yisra’el quando a geração daqueles que conheciam ao Senhor deu lugar a uma nova geração sem este conhecimento.
            Observe o exemplo de Mikhay’hu narrado no texto acima. O texto mostra que de algum modo ele estava com o dinheiro roubado de sua mãe. Embora esta tradução não deixe isto muito claro, mas a Bíblia a Mensagem deixa bem explicito: “Na verdade o dinheiro está comigo. Eu o roubei. Mas agora estou devolvendo.”. (Jz 17.2). Provavelmente por temer a maldição pronunciada por sua mãe, um algo que na época era levado muito a sério, ele resolveu devolver o dinheiro. A mãe deste, cujo nome não é mencionado em parte alguma, louva ao Senhor pela devolução. Observe por este ato, que não era uma família de pagãos, mas pessoas com algum conhecimento de Deus.
            Como uma forma de agradecer ao Senhor pelo dinheiro recuperado, esta mulher mandou construir um ídolo para colocar em seu santuário particular, o que contrariava totalmente o segundo mandamento: “Não faça para você nenhuma imagem esculpida ou qualquer tipo de representação do que há em cima no céu, nem sobre a terra ou na água embaixo da linha da cosa.” (Sh’mot [Êxodo] 20.4 BJC). Definitivamente, ela pertencia a esta nova geração de israelitas que não conheciam ao verdadeiro Deus. Sabia que existia um Deus vivo, mas nada a respeito deste Deus.
            Seu filho Mikhay’hu teve um comportamento semelhante, convidando um levi [levita] para ser seu kohen [sacerdote] e acreditando que devido a este sacerdócio obteria o favor de Deus.
            Vejo nestes dois exemplos algumas características daqueles que apenas sabem da existência de Deus, mas não conhecem a Ele. A primeira delas é a tentativa de produzir um deus de acordo com seus interesses. Este é o real sentido da idolatria. Observe no texto que esta família não voltou suas costas a Deus, não tinham um posicionamento de rebelião, pareciam até pessoas sinceras, mas mesmo nesta sinceridade feriram um dos principais mandamentos dados por Deus ao povo de Yisra’el. Quantos a partir de então criam diariamente deuses. E isto não está diferente em nossos dias. Falsos deuses estão sendo pregados em muitos púlpitos, pregações onde até mesmo a Bíblia é usada, mas que têm muito pouco, às vezes até mesmo nada, do verdadeiro Deus. Crer e seguir a Deus implica um verdadeiro conhecimento deste, que é obtido através das Escrituras Sagradas mediante o Ruach HaKodesh [Espírito Santo] a um coração quebrantado diante do Senhor, disposto a abandonar tudo aquilo que possui dentro de si mesmo que esta em desacordo com o Senhor. Qualquer outro posicionamento irá produzir a nós um deus que pode até se parecer com o verdadeiro, mas no fundo não passa de um ídolo. Uma geração que não conhece a Deus é uma geração que esculpe um deus de acordo com a sua própria visão.
            A segunda característica que vejo no texto é a tentativa de transformar a vida com Deus em um sistema religioso e acreditar que este sistema pode promover a vida com Deus. Mikhah contratou um levi, alguém que pertencia à tribo escolhida pelo Senhor para servir como kohanim [sacerdotes], e acreditou que apenas porque seu santuário funcionaria de modo semelhante ao Tabernáculo construído por Mosheh [Moisés] receberia o favor do Senhor. A humanidade precisa entender que religião é uma criação humana. Deus não inventou a religião, Ele criou o homem para se relacionar com seu Criador.
            Muitos têm transferido sua responsabilidade de se relacionar com o Pai para um líder religioso qualquer. Desejam alguém que ore por eles, que fale a eles a respeito de Deus, alguém que se consagre para que eles recebam o favor do Senhor. Mas estas mesmas pessoas não oram, não procuram o conhecimento de Deus, e nem estão dispostos a se consagrarem. É mais fácil eleger um sacerdote para assumir todas estas responsabilidades. Se eu acredito que Deus irá se relacionar com alguém e através deste relacionamento eu obterei algo da parte dEle, então eu acredito em um ídolo, não no Deus verdadeiro. E há algo agravante nisto tudo: sempre encontraremos homens dispostos a servir como sacerdotes de nossos ídolos, homens que pedirão dinheiro em troca de curas, ofertas em troca de prosperidade, homens que violentarão os textos bíblicos para gerar mensagens agradáveis a nossos ouvidos. “Porque vem o tempo em que as pessoas não terão paciência com o ensino sadio, mas proverão meios para satisfazer suas paixões e reunirão em torno de si mestres que dirão tudo que lhes faz as orelhas coçar. Sim, as pessoas se recusarão a ouvir a verdade e se voltarão para os mitos.” (2 Timóteo 4.3 e 4 BJC). Uma geração que não conhece a Deus é uma geração que busca seus interesses através da religião.
            Mikhah encontrou um levi, mas não um levi qualquer. Mais a frente o relado de Shof’tim diz: “Eles levantaram para si o ídolo, e Jônatas, filho de Gérson, neto de Moisés, e seus filhos foram sacerdotes da tribo de Dã até que o povo foi para o exílio.” (Jz 18.30 NVI [Nova Versão Internacional]). A tribo de Dan [Dã] aparece neste versículo, pois no capítulo 18 os vemos roubando o ídolo de Mikhah e chamando o levi contratado por ele. O que me chama atenção é quem era o levita: o neto de Mosheh. É certo que em muitas traduções deste versículo encontramos o nome M’nasheh [Manassés] de acordo com o texto Massorético, porém M’nasheh não era levi, Mosheh sim. O doutor Russell P. Shedd comenta que a versão do texto que diz Manassés “segue a emenda introduzida no texto hebraico mudando já, de há muitos séculos, o nome de Moisés (pai de Gérson, Êx 2.21,22) para Manassés. As consoantes msh são as de Moisés, preservadas nas versões mais antigas (e.g., a Septuaginta). A letra n (tornando o nome de Moisés para Manassés) foi acrescentada, provavelmente, para relacionar este levita idólatra com o mau rei de Israel (2 Rs 21) e evitar qualquer sugestão de Moisés.” (SHEDD, Russel P. Bíblia Shedd, 2.ed. ver. e atual. no Brasil. São Paulo: Vida Nova; Brasília: Sociedade Bíblica do Brasil, 1997. p. 374).
            E este fato, aliado a história de Mikhay’hu e sua família, me levou a refletir. A que geração nós pertencemos? Somos aqueles que conhecem a Deus ou apenas a um ídolo? Que geração nós temos formado?
            Mosheh, indiscutivelmente, foi um grande homem de Deus, pois a Torah declara: “A partir deste momento, não se levantou em Yisra’el nenhum profeta semelhante a Mosheh, a quem ADONAI conheceu face a face.” (D’varim [Deuteronômio] 34.10 BJC). Mas como todo ser humano ele possuía algumas falhas e uma delas é em relação a sua família. Mosheh não conseguiu ensinar plenamente quem era o Senhor a eles, uma prova disto é que ele demorou a circuncidar seus filhos e, durante a circuncisão, Tzipporah [Zípora] diz: “Você é para mim um noivo sanguinário!” (Sh’mot 4.25 BJC). Vejo nestas declarações que ele serviu realmente a Deus, mas não teve a preocupação de ensinar estes princípios a sua esposa e a seus filhos. Esta falta de instrução gerou o kohen Y’honatan, contratado por Mikhah.
            Diante disto, a primeira preocupação que precisamos ter é a de conhecer ao Senhor. Conhecer não significa saber que Ele existe. “Você crê que ‘Deus é um’? Que vantagem há nisso? Os demônios creem nisso também – esse pensamento os faz tremer de medo!” (Ya’akov [Tiago] 2.19 BJC). Conhecer significa se relacionar com este Deus, procurando estabelecer os Seus gloriosos princípios sobre nossas vidas. É colocar em prática aquilo que aprendemos do Senhor. Para isto, precisamos estudar as Escrituras, atentos para tudo aquilo que há em nós em desacordo com a Mensagem, e dispostos a mudar.
            Conhecer a Deus significa ter uma vida de oração onde nos submetemos à vontade e a soberania do Pai. É na oração que colocamos diante do Senhor a nossa vontade e nossas necessidades, mas acima disto que dizemos: “tua vontade seja feita na terra como no céu.” (Mattityahu [Mateus] 6.10 BJC). É a vontade de Deus não a minha. É na oração que nos submetemos e declaramos que, acima de nossas vontades, desejamos e confiamos na vontade de Deus.
            Conhecer a Deus significa também jejuarmos pedindo a Deus que converta nosso coração aos seus propósitos. “É esse tipo de jejum que desejo, um dia apenas para a pessoa se humilhar? Deve a pessoa pendurar a cabeça como um junco e se derramar sobre panos de saco e jogar cinzas sobre si? É isso que vocês chamam de jejum, o dia para agradar a ADONAI? Eis o tipo de jejum que desejo – liberte os aprisionados injustamente, desprenda as correias dos presos, deixe os oprimidos seguirem livres, quebre todo jugo, partilhe sua comida com o faminto, leve o pobre desabrigado para sua casa, vista o nu quando você o vir, cumpra o dever para com seus parentes” (Yesha’yahu [Isaías] 58.5 a 7 BJC). Isto é jejuar, me submeter à vontade do Senhor ao ponto de me tornar um promotor de Sua justiça e de Sua vontade por onde ando.
            “Que nós conheçamos, que nos esforcemos para conhecer ADONAI.” (Hoshe’a [Oseias] 6.3 BJC)
            E a partir do momento em que passo a conhecer ao Senhor, e este conhecimento é um processo gradativo que durara por toda a eternidade, preciso começar a transmiti-lo. Gerar na vida daqueles que me cercam o conhecimento do Senhor. Alguns recebem um conhecimento da parte de Deus, mas o retém para si, outros transmitem apenas fragmentos daquilo que aprendeu. Tais atitudes geram uma nova geração que não conhece ao Senhor. O conhecimento do Senhor precisa ser gerado juntamente com nossos descendentes, e descendentes em todos os âmbitos de nossas vidas.
            O primeiro âmbito que desejo ressaltar é em nossas famílias. Que tipo de deus nossas mulheres ou maridos têm conhecido através de nossas vidas? Que tipo de deus nossos filhos têm conhecido através de nós? Eles conhecem o Deus verdadeiro ou apenas um ídolo que moldamos de acordo com nossos próprios interesses?
            Precisamos ensinar aos nossos as Palavras do Senhor. “Estas palavras, que ordeno a você hoje, estarão no seu coração; ensine-as com cuidado a seus filhos. Fale a respeito delas ao sentar-se em casa, ao viajar pela estrada, ao deitar-se e levantar-se.” (D’varim 6.6 e 7 BJC). Ensinar é falar e viver de acordo com estes ensinamentos. Educar não é apontar o caminho, mas caminhar juntos, de mãos dadas.
            O segundo âmbito a ressaltar aqui é em relação aos nossos liderados. Liderar alguém é chama-lo para caminhar com você, afinal, é isto que o Mestre Yeshua [Jesus] fez com seus talmidim [discípulos]. Liderar não é mandar, é treinar um sucessor. Afinal somos líderes ou donos da visão?
            Muitos agem como se fossem insubstituíveis, e, talvez com medo de perder o valor, vivem como se fossem os únicos capazes de realizar uma obra. Mas não podemos continuar assim, afinal qual de nós é imortal ou ilimitado. É preciso deixar que os sucessores apareçam, é preciso treiná-los, traze-los para perto de nós com o propósito de andar conosco e aprender tudo aquilo que já aprendemos do Senhor. “Afinal de contas, quem é Apolo? Quem é Sha’ul [Paulo]? Apenas servos por meio de quem vocês vieram a confiar, por meio de um de nós ou de outro. Eu plantei a semente, Apolo a regou, mas foi Deus quem a fez crescer. Portanto, nem o que planta nem o que rega são alguma coisa, mas unicamente Deus, que faz crescer – quem planta e quem rega são o mesmo.” (1 Coríntios 3.5 a 7 BJC).

            Assim, que nos esforcemos, de acordo com a palavra proferida pelo profeta Hoshe’a [Oseias], para conhecer ao Senhor, estando disposto a transmitir todo este conhecimento para todos aqueles a quem o Senhor colocou ao nosso lado.

domingo, 24 de agosto de 2014

Eu, porém, vos digo.

“Não pensem que vim abolir a Torah [ensino, Lei, Pentateuco] ou os Profetas. Não vim abolir, mas completar. Sim, é verdade! Digo a vocês: até que os céus e a terra passem, nem mesmo um yud [menor letra do alfabeto hebraico] ou um traço da Torah passará – não até que todas as coisas que precisam acontecer tenham ocorrido. Portanto, quem desobedecer à menor dessas mitzvot [ordens, mandamentos] e ensinar outras pessoas a agirem da mesma forma será chamado ‘menor’ no Reino do Céu. Pois eu lhes digo: a menos que sua justiça seja muito maior que a dos mestres da Torah e dos p’rushim [fariseus], vocês não entrarão no Reino do Céu”.
(Mattityahu [Mateus] 5.17 a 20 BJC [Bíblia Judaica Completa])

            Estas são palavras de Yeshua [Jesus] ditas em cima de um monte a todos os seus talmidim [discípulos] e as multidões que o seguiam; foram proferidas durante o que conhecemos hoje como o Sermão do Monte narrados por Mattityahu [Mateus] e Lucas enquanto escreviam as boas-novas sobre Yeshua [Evangelho]. É um sermão relativamente longo, ocupando três dos vinte e oito capítulos do evangelho de Mattityahu, e gostaria de me ater a uma parte desta mensagem contida entre os versículos 21 e 48 do quinto capítulo deste evangelho onde Yeshua cita oito textos do Tanakh e fornece a sua interpretação a respeito dos mesmos.
            Embora fora desta seção, os versículos transcritos no início desta mensagem fornecem um bom pano de fundo para o que iremos tratar: em momento algum Yeshua está dizendo que a Torah ou sequer parte da mesma está ultrapassada. Muito pelo contrário, ele está incentivando seus ouvintes a valorizarem e a obedecerem às Palavras do Senhor gravadas nas Escrituras. Estes mesmos versículos, na tradução feita por Eugene Peterson dizem: “Não pensem, nem por um instante, que eu vim anular as Escrituras – a Lei de Deus ou os Profetas. Não estou aqui para anular, mas para cumprir. Estou reposicionando as coisas, ajuntando-as no quadro geral, para que fiquem no devido lugar. A Lei de Deus é mais real e duradoura que as estrelas do céu e que o chão debaixo dos nossos pés. Depois que as estrelas desaparecerem e a terra for consumida pelo fogo, a Lei de Deus ainda estará viva e operante. Se alguém considerar de pouca importância mesmo o menor item na Lei de Deus, estará diminuindo apenas a si mesmo.” (Mt 5.17-19 – A Mensagem).
            Em seguida Yeshua começa a citar o Tanakh e a interpretá-lo, utilizando a forma: “Foi dito..., mas eu lhes digo...”. Esta fórmula é muito relevante diante do contexto em que Yeshua e seus ouvintes viviam. Entre os séculos II e I a.C., após a revolta dos Macabeus, houve um reavivamento espiritual em Yerushalayim [Jerusalém], principalmente com a restauração do Templo de Yisra’el [Israel]. Diversos grupos israelitas se formaram, cada um com interpretações diferentes a respeito da Torah. Entre estes grupos conhecemos os fariseus, os saduceus, os essênios, e alguns outros. As interpretações dadas eram muitas vezes conflitantes e cada grupo se considerava os detentores do verdadeiro sentido da Lei.
            Assim, nos tempos de Yeshua, o povo estava acostumado a ver os debates entre os diversos grupos israelitas, com suas interpretações únicas. Quando Yeshua inicia esta seção em seu discurso ele levou os seus ouvintes a refletir sobre o que está sendo observado pelos mesmos: a tradição humana ou a Palavra de Deus. Esta reflexão é de muito valor hoje, quando observamos diversas pessoas utilizarem a Bíblia para defender o seu posicionamento, escolhendo para isto versículos isolados das Escrituras, que fora do contexto criam o pretexto necessário para colocarem a sua própria vontade acima da vontade de Deus. Assim, respondamos a nós mesmos duas perguntas. A primeira é: a quem temos ouvido, a Deus ou aos homens? E a segunda, e não menos importante: temos usado a Bíblia para ouvir ao Senhor falando ou para justificar nossos desejos e ações?
            Yeshua “veio completar nossa compreensão da Torá e os Profetas para que possamos tentar de modo mais eficiente ser e fazer o que eles dizem que devemos ser e fazer.” (STERN, David H., Comentário Judaico do Novo Testamento: Didática Paulista; Belo Horizonte: Editora Atos, 2008, p. 51). Ele veio para tornar pleno o significado da Torah.
            Este entendimento completo da vontade do Senhor tira a importância da prática legalista dos mandamentos do Senhor, como se tal prática nos tornaria merecedores de algo da parte de Deus. A Torah é boa, pois ela aponta para o propósito do Senhor em minha vida, e, conforme aprendemos nas palavras de Yeshua, tal propósito implica naquilo que verdadeiramente sou, não simplesmente no que faço.
            Assim, ouvimos o Mestre Yeshua dizendo: “Vocês ouviram o que foi dito aos nossos pais: ‘Não assassine’, e quem cometer assassinato estará sujeito a julgamento. Mas eu lhes digo: quem demonstrar ira contra seu irmão estará sujeito a julgamento.” (Mattityahu 5.21 e 22 BJC) e “Vocês ouviram o que foi dito aos nossos pais: ‘Não adultere’. Mas eu lhes digo: o homem que até mesmo olhar para uma mulher desejando-a ardentemente já cometeu adultério com ela no coração.” (Mattityahu 5.27 e 28 BJC). Ou seja, não importa se eu nunca tirar a vida de um ser humano, se simplesmente, em minha ira, desejar que alguém morra, já sou um assassino. Não importa se nunca me deitar com uma mulher que não seja minha esposa, se estes pensamentos estão em minha mente, eu já sou adultero. O Pai olha para quem eu sou, e não simplesmente para as obras de minhas mãos, visto que as mesmas apenas refletem meu caráter.
            Dito isto, é necessário que lembremos que não somos perfeitos. A Bíblia nos ensina que somos pecadores: “porque todos pecaram e não são capazes de merecer o louvor de Deus” (Romanos 3.23 BJC) e ainda “Se afirmamos que não temos pecado, enganamos a nós mesmos, e a verdade não está em nós. Se reconhecemos nossos pecados, então, por ser digno de confiança e justo, ele nos perdoará e nos purificará de toda injustiça.” (1 Yochanan [1 João] 1.8 e 9 BJC). Assim, a vida de um seguidor do Messias Yeshua é uma vida onde através da Palavra enxergamos as falhas em nosso caráter, através de nossa vida com Deus desejamos nos livrar das mesmas e a partir de então lutamos contra nós mesmos para deixa-las para traz. Tudo isto tendo a consciência que a graça do Senhor está sobre mim, para me perdoar e gerar transformação. É isto que podemos chamar de Novo Nascimento. Assim, o Novo Nascimento é uma nova vida que eu tenho no Messias Yeshua em relação a viver sabendo que tenho sobre mim a graça de Deus. Nesta vida vou errar, mas sei que Yeshua está sobre mim para me perdoar e me levantar.
            Embora imperfeitos, a perfeição deve ser a busca sincera em todos os seguidores de Yeshua. “Portanto, sejam perfeitos, como o Pai celestial de vocês é perfeito.” (Mattityahu 5.48 BJC), ou, em outra versão do mesmo versículo: “Resumindo, o que quero dizer é cresçam! Vocês são súditos do Reino; tratem de viver como tais. Assumam sua identidade, criada por Deus.” (A Mensagem). E não usar a Bíblia para esconder nossas falhas, e justificar nossos pecados. “Você não pode usar a cobertura da lei para mascarar uma falha moral.” (Mateus 5.32 – A Mensagem).

            O sermão “eu, porém, vos digo” de Yeshua aponta para a busca de uma nova vida com Deus. Uma vida transformada pela ação do Ruach-HaKodesh [Espírito Sato]. Uma verdadeira nova criatura, com novos valores, novos pensamentos e novos sentimentos. Uma vida que sabe que está na presença do Senhor a cada instante de seus dias, e se preocupa mais em ser agradável aos olhos desse Deus, do que aos homens. Os homens conhecem apenas a nossas ações, mas Deus conhece o nosso interior.

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

A obra do Senhor em nosso cotidiano

“Desse modo, o muro foi concluído no vigésimo quinto dia do mês de elul, em cinquenta e dois dias. Quando todos os nossos inimigos ouviram a respeito disso e as nações vizinhas ficaram com medo, a autoestima de nossos inimigos enfraqueceu fortemente, pois eles perceberam que essa obra tinha sido realizada pelo nosso Deus.”
(Nechemyah [Neemias] 6.15 e 16 BJC [Bíblia Judaica Completa])

            O relato de Nechemyah [Neemias] mostra a história de um homem que a princípio não apresenta uma vida tão espiritual quanto a maior parte dos homens encontrados na Bíblia. Não encontramos nenhuma profecia proferida por ele. Ele não era sacerdote, e não encontramos alguma passagem que mostra o Senhor falando diretamente com Nechemyah. Ele foi um governador de Yerushalayim [Jerusalém], e foi o responsável pela reconstrução dos muros da cidade após o retorno do exílio babilônico em aproximadamente 520 a.C. Uma função aparentemente secular, como o dia a dia da maior parte dos seres humanos, cumprida por um homem comum, como praticamente todos nós nos sentimos em nossa vida rotineira, mas após a obra ter sido concluída, as Escrituras dizem que as pessoas reconheceram que foi realizada por Deus.
            Esta declaração me chama muito a atenção, afinal, assim como Nechemyah e milhões de outros homens e mulheres neste país e no mundo, tenho um trabalho secular e sonho em realiza-lo com excelência, de modo que as pessoas conheçam a Deus através de meus atos. Assim gostaria de fazer uma breve análise daquilo que a Bíblia fala sobre este homem, para que, juntamente com você que está lendo esta mensagem, possamos agir em nosso cotidiano da mesma forma que Nechemyah. Todos possuímos uma obra confiada por Deus a nós a ser realizada, e para esta realização não precisamos deixar nossos compromissos diários de lado. Nechemyah possuía uma grande obra de Deus para realizar, mas sua realização ocorreu de modo comum, sem a espiritualização que muitas vezes esperamos de uma obra divina. E é para uma obra como esta que fomos comissionados pelo nosso Mestre.
            O livro de Nechemyah começa relatando a notícia que o autor do livro, que recebe seu nome, recebeu sobre a aflição vivida pelo povo judeu que retornara do cativeiro babilônico para a Terra Prometida. Após ouvir a notícia, Nechemyah diz “sentei-me e chorei; lamentei por vários dias, jejuando e orando diante do Deus do céu.” (Ne 1.4 BJC). Deste modo, não foi apenas mais uma noticia ruim recebida por ele; é como se ele mesmo estivesse passando pela aflição. Isto é compaixão, uma dor causada pelo mal alheio. A dor de Nechemyah foi tamanha que o mesmo ficou visivelmente abatido, até o rei Artach’shashta [Artaxerxes] notou seu semblante triste (Ne 2.1 e 2).
            É interessante notar que Nechemyah não tinha uma ligação muito forte com a cidade de Yerushalayim para justificar este abatimento. É claro que era a capital de sua terra natal, embora ele provavelmente nasceu no cativeiro, e aparentemente não possuía nenhuma intensão de retornar para a terra de seus antepassados, visto que o decreto de Ciro que permitia os judeus retornar a sua terra foi promulgado aproximadamente 90 anos antes desta história, e Nechemyah se encontrava como copeiro do rei da Pérsia.
            Assim a preocupação demonstrada por Nechemyah nos mostra o interesse que ele tinha nas necessidades dos outros, não em suas próprias. E esta é uma característica rara nos nossos dias, como também o deveria ser nos tempos do construtor. Nossa sociedade faz de nós seres individualistas: temos a nossa própria vida, os nossos próprios problemas, e consideramos que a vida e os problemas daqueles que nos cercam, não devem ser alvos de nosso interesse. Muitas vezes isto não reflete nosso desinteresse, mas nosso medo de deixarmos o individual e passarmos ao coletivo. Um verdadeiro receio de verdadeiramente vivermos em uma comunidade, o verdadeiro sentido da palavra Igreja, a comunidade Messiânica. Este é o primeiro elemento que observo na história de Nechemyah: a busca pela vida em comunidade.
            Muitas vezes ouvimos que precisamos nos abrir, precisamos procurar conselhos, partilhar nossas dificuldades. Isto tudo é verdade. Mas a partir do momento que aprendermos a verdadeiramente nos interessarmos nas aflições dos outros, automaticamente passaremos a ser procurados. E isto não engloba apenas nosso ambiente eclesiástico, mas nossa vida familiar, vizinhança e inclusive em nosso ambiente profissional. Você realmente se interessa naqueles que te cercam? Você demonstra através de suas atitudes que o dia a dia de sua esposa, as brincadeiras de seus filhos, as necessidades daqueles que cruzam o seu caminho a cada dia, são realmente interessantes para você? Ou será que, assim como muitos, você age como se tudo isto que acontece ao seu lado a cada dia de sua vida é apenas mais um elemento que não relação alguma contigo? Boa parte da obra que o Senhor coloca em suas mãos é realizada pelo Ruach HaKodesh [Espírito Santo], através de nós, na vida daqueles que nos cercam. Se eu quero ser usado por Deus, preciso primeiramente notar que tenho alguém ao meu lado que possui necessidades, e que Deus deseja supri-las através de minha vida.
            Observe que o interesse de Nechemyah ia além da simples reconstrução dos muros de Yerushalayim. Ele se preocupava com as pessoas. Praticamente por todo o capítulo 5 deste livro, o vemos promovendo a justiça social.
            O interesse de Nechemyah fez com que o rei permitisse que ele partisse para Yerushalayim, com o propósito de reconstruir os muros da cidade. Após levantar os recursos necessários ele partiu. Ao chegar, depois de uma viagem de aproximadamente 1600 km que durou cerca de 4 a 5 meses, ele não iniciou rapidamente o trabalho, antes saiu para inspecionar a situação dos muros (Ne 2.11-16). Notamos com isto que sua atitude não foi precipitada. Ele primeiro conheceu o problema, analisou o que precisava ser feito, e chegou à conclusão de como proceder.
Temos nossos próprios temperamentos. Alguns são mais introspectivos e analíticos, outros extrovertidos e práticos. Mas acima disto, precisamos entender o que precisa ser feito, antes de começar a agir. Afinal, afobação só traz problemas. Este é o segundo elemento que observo neste livro: o conhecimento da obra a ser realizada. Junto com este conhecimento vem o preparo. Eu me interesso nas pessoas, descubro o que é preciso ser feito e me preparo para agir. Este preparo inclui o conhecimento da Palavra do Senhor, oração, interseção e jejum.
Quando a obra começou, a Bíblia mostra que se levantaram opositores: Sanvalat [Sambalate], Toviyah [Tobias], os árabes, os ‘amonim [amonitas] e os ashdodim [asdoditas] não apenas ficaram irados com o início das obras como também tentaram desestimular os trabalhadores (Ne 3.33-4.6 (4.1-12)). Nechemyah não deixou que a oposição atrapalhasse a obra que o Senhor lhe confiara. Pelo contrário, ele continuou a obra, montou guarda para prevenir ataques e mais tarde, quando seus inimigos subornaram Sh’ma’yah [Semaías] para incentivar Nechemyah a se esconder dentro do Templo do Senhor, o que entraria em desacordo com a Palavra de Deus, ele recusou salvar a sua vida desta forma (Ne 6.10-14). Estas atitudes me mostram mais alguns elementos que precisamos observar: a perseverança mesmo em meio às oposições, o posicionamento em vigiar e a preocupação em ser prudente.
Muitos vão se levantar enquanto estivermos trabalhando. Alguns irão simplesmente tentar nos desestimular a permanecermos no propósito que fizemos. Outros irão além e tentarão nos difamar, perseguir. Somente nós podemos decidir se eles terão sucesso nesta oposição. Ao enfrentar esta situação Nechemyah dedicava toda a sua energia ao trabalho (Ne 5.16). Não dava ouvidos ao que estavam falando e não se preocupava em argumentar com aqueles que se opunham a obra do Senhor. Será que estamos preocupados com a obra do Senhor ou com aquilo que pensam de nós? É interessante que os inimigos de Nechemyah anos antes desejavam ajudar na obra de reconstrução do Templo, pois também adoravam ao Deus de Yisra’el [Israel], mas foram impedidos por Z’rubavel [Zorobabel] (Ed 4.1-3), e esta postura fez com que suas intenções em relação à obra mudassem.
Nem sempre aqueles que se oporão ao que você vai fazer são inimigos declarados. Muitos serão amigos que virão com a melhor das intensões com conselhos, procurando realmente ajudar. Alguns irão inclusive nos incentivar a sairmos do centro da vontade do Senhor. E é diante disto que precisamos estar alertas, conhecendo realmente o plano do Senhor e a Sua Palavra, para não perdermos os Seus propósitos.

Acima de todas estas coisas encontramos o último elemento que aparece constante durante todo o relato: a confiança em Deus. Mesmo com a melhor das intenções jamais conseguiremos agir com nossas próprias forças. Precisamos reconhecer que temos acima de nós um Deus que nos fortalece, nos consola e nos capacita a realizar tudo aquilo que nos confiou. Ele nos chamou e é Ele quem realizará a obra em nós, através de nós e apesar de nós.