domingo, 29 de setembro de 2013

Adoração Inútil

“Então Adonai disse: ‘Uma vez que essas pessoas se aproximam de mim com palavras vazias, e a honra que me conferem não é verdadeira; pois, de fato, mantêm o coração longe de mim, e o ‘temor de mim’ é apenas uma mitzvah [ordem, mandamento, princípio geral para a vida, boas ações] de origem humana – portanto, continuarei atordoando essas pessoas com coisas espantosas e maravilhosas, até que a ‘sabedoria’ dos ‘sábios’ se desvaneça, e o ‘discernimento’ de seus ‘entendidos’ seja ocultado’.”.
(Yesha’yahu [Isaías] 29. 13 e 14 BJC [Bíblia Judaica Completa]).

            Gosto muito de falar sobre adoração e considero este um tema fundamental para todos que desejam aproximar-se do Criador. Sempre que penso a respeito deste assunto, lembro-me de quando tinha aproximadamente 10 anos de idade e frequentava a “salinha dos juniores” com o professor João Maria. Naquele tempo comecei a aprender a adorar com ele colocando todas as crianças ajoelhadas e com seu violão ministrando uma canção, ensinando-nos a nos derramar diante do Senhor. Aprendi que, figuradamente, a adoração é estar no colo de Deus, envolvido em Seus braços, acariciando a Sua barba.
            Hoje, com meus 32 anos e abençoado com dois filhos maravilhosos, ao contemplar esta cena, lembro-me de quando pego meu filho de três anos no colo. Ele tem o costume de olhar para mim e contornar meu rosto com suas mãozinhas. Passa a mão na minha testa, meus olhos, meu bigode e minha barba. Certa vez, após ele contornar meu rosto como o de costume, eu o peguei contornando o seu próprio rosto e dizendo que quando crescer terá uma barba e um bigode igual ao pai.
            Quando penso em adoração diante de toda esta cena consigo entender o profeta Yesha’yahu [Isaías] em passagens como a que abri esta mensagem. Quando me coloco em adoração ao Senhor, contemplo suas características e passo a deseja-las em mim. Passo a buscar o caráter de Deus, a santidade do Senhor, e isso passa a fazer parte de todas as áreas de minha vida. A adoração verdadeira do Criador abrange todo o aspecto da vida da pessoa.
            Eugene Peterson em sua tradução da Bíblia escreve o texto acima da seguinte maneira: “O Senhor disse: ‘Esse povo faz um grande show, dizendo as coisas certas, mas o coração deles não está nem aí para o que dizem. Fazem de conta que me adoram, mas é tudo encenação. ’” (Isaías 29.13 A Mensagem). Desta maneira fica claro que adoração é muito mais que um conjunto de ações praticadas mecanicamente. Não é um show, uma canção, nem tampouco palavras proferidas. Adoração implica em apresentar-se integralmente ao Senhor. A palavra traduzida por coração no original é לב (leb) que representa não apenas o coração, mas a mente humana, e figuradamente representa nossos desejos ou vontades mais intimas. É disso que o Senhor esta falando através da boca do profeta, a busca pela intimidade com o Senhor através de nossa vida.
            Yesha’yahu trata de uma nação que embora continuasse praticando os rituais da Torah [ensino, Lei do Senhor, o Pentateuco], mantinha sua vida distante do Criador. Ele inclusive se aprofunda neste assunto no primeiro capítulo do livro que leva seu nome:
“Ouçam o que ADONAI diz, governantes de S’dom! Ouça a Torah de Deus, povo de ‘Amorah! ‘Por que são oferecidos a mim todos aqueles sacrifícios? ’, pergunta ADONAI. ‘Estou farto de ofertas queimadas de carneiros e da gordura de animais engordados! Não me agrado do sangue de touros, cordeiros e bodes! Sim, vocês comparecem à minha presença; mas quem pediu que pisoteassem meus pátios? Parem de trazer ofertas de grãos inúteis! Elas são como incenso repugnante para mim! Rosh-Hodesh [início do mês lunar], shabbat [sábado], convocações solenes – não suporto a perversidade das suas assembleias! Tudo em mim odeia seus Rosh-Hodesh e seus festivais; eles são um fardo para mim – estou cansado de suportá-los! Quando estenderem as mãos, esconderei meus olhos de vocês; não importa quanto orem, não serão ouvidos, pois suas mãos estão cobertas de sangue. Lavem-se! Afastem seu mau procedimento da minha vista! Parem de fazer o mal, aprendam a fazer o bem! Procurem a justiça, aliviem os oprimidos, defendam os órfãos, pleiteiem pela viúva. ’”.
(Yesha’yahu 1.10 – 17 BJC)
            A mensagem é pesada. O próprio Deus está falando que culto sem vida com Ele é inútil e desprezível. E esta vida com Deus deve ser uma vida completa em Sua presença: corpo, alma e espírito diante do Criador. Não consigo olhar este texto sem pensar em Iyov [Jó]. O Tanakh [Antigo Testamento] ensina que o Eterno ao olhar para Iyov diz: “Você reparou em meu servo Iyov, pois não há ninguém como ele na terra, um homem irrepreensível e reto, que teme a Deus e se afasta do mal?” (Iyov 1.8 BJC). O próprio Deus testemunha a respeito de Iyov, enquanto ao se dirigir para o povo de Y’hudah [Judá] nos tempos de Yesha’yahu diz: “Quem te chamou à minha presença?”.
            Isto me leva a refletir que tipo de vida com Deus eu tenho tido. É tolice de minha parte acreditar que o fato de frequentar a igreja, dar meu dízimo, levantar as mãos e cantar durante o louvor produza um relacionamento com Deus. O próprio Sha’ul [Paulo] diz que todos estes costumes “[...] têm aparência de sabedoria, com suas observâncias religiosas autoimpostas, falsa humildade e ascetismo, mas não têm valor algum refrear as pessoas de agir de acordo com a velha natureza.” (Colossenses 2.23 BJC). Yeshua [Jesus] nos ensina que muitos chegaram diante dEle apontando tudo aquilo que realizaram e ouvirão de Sua boca: “Afastem-se de mim!” (Mt 7.21-23).
            Adoração verdadeira é uma vida diante do Senhor. É uma constante auto avaliação, seguida de uma tomada de decisão: quero parecer com meu Pai. É um relacionamento diário com o Criador, comparado por Sha’ul como um relacionamento entre um casal (Ef 5.25-33).
            Não adianta eu simplesmente morar debaixo de um mesmo teto que minha esposa. Não adianta somente prover o seu sustento, dar presentes. Eu preciso ter um tempo de qualidade com ela, um tempo onde estou realmente e integralmente presente. Naquele momento minha única preocupação é ela, não as contas ou afazeres. Com o passar do tempo a presença dela começa a me mudar. Passo a me interessar pelo que ela se interessa, rejeitar em mim aquilo que a desagrada. Tudo em busca de um relacionamento cada vez mais intenso.
            Assim começa um relacionamento de qualidade com Deus. Eu deixo de lado os afazeres de meu dia a dia e me coloco diante do Senhor. Naquele momento não estou preocupado com o cheque que preciso cobrir, nem em pedir ao Eterno uma benção necessária. Somente desfruto a sua presença. Com o tempo este relacionamento ira gerar em mim mudança: primeiramente uma mudança interior onde passo a desejar ser diferente. Clamo: “Examina-me, Deus, e conhece meu coração; testa-me, e conhece meus pensamentos. Vê se há em mim algum caminho danoso e guia-me pelo caminho eterno.” (Tehillim [Salmos] 139. 23 e 34 BJC). Busco a ter em mim o caráter de Yeshua, que demonstrou o proceder do homem criado por Deus.
            Depois disto começa uma mudança exterior: minhas atitudes passam a ser diferentes. Passo a me preocupar com aquilo que Deus verdadeiramente se preocupa: pessoas. E me dedico mais a elas do que a mim mesmo.
Gastamos muita energia com nós mesmos e nenhuma com nosso próximo. Corremos atrás do sustento dia após dia, e muitas vezes na igreja queremos estabelecer aquilo que nos faz bem. Brigamos pela visão que “Deus nos deu” e esquecemos que “a observância religiosa que Deus, o Pai, considera pura e irrepreensível é [...] cuidar dos órfãos e das viúvas em suas dificuldades e não se deixar contaminar pelo mundo.” (Ya’akov [Tiago] 1.27 BJC).

            Que possamos a nos tornar verdadeiros adoradores: homens e mulheres que compreendem que precisam possuir o caráter de Yeshua, e se esforçam para isto, e que se preocupam com aqueles a quem nosso Senhor se preocupa. 

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