domingo, 22 de fevereiro de 2015

A Importância do Ensino da Torah

“Todo o povo se reuniu de comum acordo no espaço aberto diante do portão da Água e pediu a ‘Ezra, o mestre da Torah, para trazer o pergaminho da Torah de Mosheh, que ADONAI entregara a Yisra’el. ‘Ezra, o kohen, levou a Torah diante da assembleia, que constituía em homens, mulheres e todas as crianças com idade suficiente para entender. Era o primeiro dia do sétimo mês. De frente para o espaço aberto diante do portão da Água, ele leu para os homens, as mulheres e as crianças capazes de entender desde a manhã até o meio-dia; e todo o povo prestou atenção [à leitura] do pergaminho da Torah. ‘Ezra, o mestre da Torah, estava em uma plataforma de madeira, feita com esse propósito; ao lado direito dele, estavam Mattityah, Shema, ‘Anayah, Uriyah, Hilkiyah e Ma’aseiyah; e à sua esquerda, P’dayah, Misha’el, Malkiyah, Hashum, Hashbadanah, Z’kharyah e Meshulam. ‘Ezra abriu o pergaminho onde todo o povo pudesse vê-lo, pois ele estava em um nível mais alto que todo o povo; quando ele abriu, todo o povo se pôs em pé. ‘Ezra bendisse ADONAI, o grande Deus, e todo o povo respondeu: ‘Amen, Amen!’, enquanto eles levantavam as mãos, abaixavam a cabeça e se prostavam diante de ADONAI, com o rosto em terra. Os l’vi’im Yeshua, Bani, Sherevyah, Yamin, ‘Akuv, Shabtai, Hodiyah, Ma’aseiyah, K’lita, Azaryah, Yozavad, Hanan e P’layah explicavam a Torah ao povo, enquanto o povo permanecia em seu lugar. Eles leram com clareza o pergaminho, a Torah de Deus, traduziram-na e fizeram o povo entender o que era lido.”
“Nechemyah, o tirshata, ‘Ezra, o kohen e mestre da Torah, e os l’vi’im que ensinavam o povo disseram: ‘Consagrem-se hoje a ADONAI, seu Deus; não lamentem nem chorem’. Pois o povo chorou quando ouviu as palavras da Torah. Então ele lhes disse: ‘Vão, alimentem-se bem, tomem bebidas doces e enviem porções de comida a quem não tiver provisão, pois hoje é um dia consagrado ao nosso Senhor. Não fiquem tristes, pois a alegria de ADONAI é a sua força’. Desse modo, os l’vi’im acalmaram o povo, pois disseram: ‘Estejam calmos, pois hoje é um dia sagrado; não fiquem tristes’. Em seguida, o povo partiu para comer, beber, enviar porções e celebrar, pois haviam entendido as palavras que lhes tinham sido comunicadas.”
(Nechemyah [Neemias] 8.1-12 BJC [Bíblia Judaica Completa])

            A passagem acima narra um evento ímpar na história do povo de Yisra’el [Israel], um divisor de águas na história dos israelitas, onde enxergamos o Eterno agir entre Seu povo, para aproximá-los do propósito que desde o princípio traçou para eles, a partir do chamado de Avram [Abrão], que posteriormente teve seu nome mudado para Avraham [Abraão]. Todo este grande mover começou com a leitura e a explicação da Torah [ensino, Lei, Pentateuco], feita pelo kohen [sacerdote] ‘Ezra e os l’vi’im [levitas] e gerou uma transformação tão grande entre todos os israelitas, mudanças que trataremos mais adiante, que gostaria de dedicar esta meditação a responsabilidade que todo aquele que intenta estar diante do Criador possui de conhecer os Seus ensinamentos.
            Originalmente os livros de ‘Ezra [Esdras] e Nechemyah [Neemias] constituíam apenas uma obra que narra o retorno do povo de Yisra’el do cativeiro babilônico. O livro de ‘Ezra nos ensina que, em aproximadamente 539 A.E.C. [Antes da Era Comum], Koresh [Ciro], rei da Pérsia, promulgou um decreto permitindo que o povo de Yisra’el retornasse a Yerushalayim [Jerusalém] a fim de reconstruir o Templo destruído anos antes por N’vukhadnetzar [Nabucodonosor] (Ed 1.1-4). Em meio a uma grande oposição, esta obra foi concluída, entre 539 e 516 A.E.C., sob a orientação de Z’rubavel [Zorobabel] e dos profetas Hagai [Ageu] e Z’kharyah [Zacarias] (Ed 3 a 6; Ag; Zc).
            Após a reconstrução do Segundo Templo, entre 485 e 474 A.E.C, ocorreu o grande livramento narrado em Ester, até que, em aproximadamente 459 A.E.C, o kohen ‘Ezra vai a Yerushalayim a fim de ensinar ao povo a Torah (Ed 7 a 10). Anos mais tarde, em 445 A.E.C., Nechemyah vai a Yerushalayim a fim de reconstruir os muros da cidade (Ne 1 a 7).
            Desde modo, no início da passagem lida no início desta meditação, encontramos um povo escolhido pelo Senhor, que ansiava cumprir os propósitos do Eterno, mas que carregavam dentro de si os costumes, a cultura e o modo de vida que os 70 anos que ficaram sob o domínio babilônico havia impostos a eles. Muitos estavam casados com estrangeiras, muitos nem sequer conheciam o que a Torah falava, eles nem falam mais hebraico, a língua em que a Torah foi escrita.
            Assim, mais do que um propósito humano, vejo que era um desejo divino que a Torah fosse mais uma vez ensinada, a fim de que o povo tivesse mais uma oportunidade de conhecer o seu Deus, e relacionar-se adequadamente com Ele. Assim começa a leitura pública promovida por ‘Ezra, o kohen, e Nechemyah, o tirshata, [tirsata], o governador.
            Existem diversos aspectos nesta passagem que gostaria de ressaltar, a fim de extrair verdades muitas vezes não percebidas durante uma leitura rápida.
            O primeiro aspecto é o quando esta leitura ocorreu. O texto é claro ao dizer que foi no começo do sétimo mês (Ne 7.73 (8.1)), e que “era o primeiro dia do mês” (Ne 8.2). Ora, o sétimo mês no calendário bíblico é o mês de Tishrê, e exatamente este dia é o dia do toque do shofar [trombetas] (Vayikra [Levítico] 23.23 a 25), hoje conhecido como Rosh Hashaná, a cabeça do ano judaico. As trombetas são símbolos de testemunho, relacionadas com o reajuntamento e o arrependimento de Yisra’el (Is 18.3, 27.13 e Jl 2.1-3.21), e o toque do shofar marca o início de um dos períodos mais sagrados para todos os judeus com o Rosh Hashaná no dia 1 de Tishrê, Yom Kipur, o Dia do Perdão, no dia 10 de Tishrê e Sucot, a Festa das Cabanas (Tabernáculos) no dia 15 de Tishrê. Desta forma, o dia de tal reunião de leitura não foi um acaso, mas uma data escolhida nos céus para marcar o início de um novo tempo a todos os israelitas, um dia descrito pela Torah como uma “santa convocação” (Lv 23.24).
            Vejo, através disto, que nosso Senhor é um Deus de recomeços. Ele sempre nos chama a recomeçarmos nossa vida ao Seu lado. Através de Sua Torah, sempre nos convida a uma vida consagrada, uma vida vivida debaixo do entendimento que temos sobre nossas cabeças o nosso Criador, e inclusive sobre o nosso pensar devemos entroniza-lo. Este é o significado do Kipa, que utilizamos, mas mais do que uma vestimenta, precisamos deste entendimento.
            O texto continua dizendo que “todo o povo se ajuntou como um só homem” (Ne 8.1). Mais uma vez é um indicio da maneira como o Senhor deseja atuar: entre o Seu povo. Isto me ensina que nosso crescimento deve ser em unidade, sem que uma determinada pessoa acabe se sobressaindo sobre os demais. Muitos adquirem conhecimento apenas para parecerem importantes, para estarem à frente de um povo, mas é apenas o Eterno quem deve realmente aparecer. Um p’rushim [fariseu] chamado Sha’ul [Paulo], anos mais tarde, ensinou que a tarefa de qualquer um que obteve algum entendimento é “preparar o povo de Deus para a obra de edificar o corpo do Messias, até que todos cheguemos à unidade implicada pelo confiança e pelo conhecimento do Filho de Deus, e à plena virilidade, segundo o padrão de maturidade estabelecido pela perfeição do Messias.” (Efésios 4.12 e 13 BJC).
            Crescer como um corpo é crescer uniformemente. Em um corpo saudável não é apenas a mão que cresce, nem só a perna, ou a cabeça. Mas cada membro ou órgão de nosso corpo cresce juntamente com todos os outros de modo sincronizado e proporcional. Assim deve ser o povo de Deus: precisamos crescer em unidade, aprender a viver para o Senhor uns com os outros e amadurecermos o nosso comportamento de modo sincronizado, assim nenhum de nós irá parecer superior aos demais, mas como um só corpo seremos capazes de realizar a vontade de nosso Deus, de modo que apenas Ele apareça.
            Observe que ‘Ezra é descrito como mestre da Torah [escriba] (Ne 8.1,4,9) e como kohen [sacerdote] (Ne 8.2,9). Como kohen ele era responsável pela preservação dos pergaminhos da Torah e de tudo aquilo que pertencia ao Senhor. Como mestre da Torah ele era responsável por copia-la em novos pergaminhos a fim de difundir entre todo o povo a Lei do Senhor e substituir os manuscritos afetados pelo tempo. Ele foi o responsável por preservar e ensinar a Palavra de Deus. A Torah foi lida e explicada durante aproximadamente seis horas por dia em 23 dias (Ne 8.3,18,9.1-3) começando em Rosh Hashaná e terminando somente em Simchat Torah. Ele só foi capaz de realizar tal obra, pois primeiramente “dedicava o coração ao estudo e à prática da Torah de ADONAI e ao ensino a Yisra’el de suas leis e regras.” (‘Ezra 7.10 BJC). Ele não agiu em seu próprio interesse, não realizou sua própria vontade, mas da mesma forma que estudava a Torah de coração, obedeceu ao decreto do Senhor de ler publicamente a Lei (Dt 31.9-11).
            Observe que ‘Ezra não estava sozinho nesta empreitada, vemos que treze homens “estavam de pé junto a ele” (Ne 8.4) sobre um púlpito de madeira. Não eram homens quaisquer, mas líderes das famílias israelitas. Naquele momento estavam todos em unidade declarando a importância do que estava sendo lido. Todos entendiam o que mais tarde Sha’ul expressou nas palavras: “Faça tudo o que puder para se apresentar a Deus como alguém digno de aprovação, um trabalhador que não precisa se envergonhar, porque anda retamente na Palavra da Verdade.” (2 Timóteo 2.15 BJC) e refletiram os serviços concedidos por Yeshua [Jesus] para preparar o povo, conforme outra vez Sha’ul ensina: “Além do mais, ele concedeu algumas pessoas como emissários, algumas como profetas, outras como proclamadores das boas-novas, e outras como pastores e mestres.” (Efésios 4.11 BJC). Isto nos ensina que todos os serviços (dons) concedidos por Yeshua devem agir em unidade no ensino da Palavra de Deus, devem falar a mesma linguagem.
            Não adianta o ensino sem uma vida condizente com a mensagem. Muitas de nossas crianças escutam de nossos lábios e dos mestres da Torah nas salas específicas para elas a Palavra do Senhor. Mas nada disso fará diferença se nós, pais, não formos exemplos em nossos lares. Não agirmos em conformidade com a Palavra. Não vamos acertar sempre, mas o que nos impede de pedir perdão quando errarmos? Não vamos ter respostas para todos os questionamentos, mas o que nos impede de procurarmos junto com eles o esclarecimento das dúvidas?
            Quando Sha’ul fala a respeito dos cinco ministérios em Efésios 4.11 ele não está dizendo que a responsabilidade é apenas da liderança da Comunidade Messiânica, mas nos mostrando que somos responsáveis por todos aqueles que nos olham como portadores de autoridade, incluindo nossos filhos.
            A Torah não foi apenas lida por ‘Ezra. O texto declara que treze l’vi’im “explicavam a Torah ao povo” (Nechemyah 8.7 BJC), “Eles leram com clareza o pergaminho, a Torah de Deus, traduziram-na e fizeram o povo entender o que era lido.” (Nechemyah 8.8 BJC). Não foi apenas uma leitura, mas uma aula, um ensinamento profundo das verdades bíblicas. Eles estavam traduzindo a Torah do hebraico, que não era mais falado pelo povo, para o Aramaico, a língua que todos apenderam durante o cativeiro babilônico, e retornou de lá falando. Com certeza não tratava-se apenas de uma tradução simultânea, mas de uma explicação do significado daquelas palavras e de uma contextualização a uma cultura a muito esquecida.
            Para isto existiam diversos professores, o que muito provavelmente dividiu o povo em grupos, a melhor maneira de aprendermos a Palavra. Numa grande reunião apenas ouvimos, mas o completo aprendizado ocorre quando não apenas ouvimos, mas participamos com nossas perguntas e comentários, e isto somente é possível através de pequenos grupos de estudo.
            Após a leitura e explicação vimos que “todo o povo chorou quando ouviu as palavras da Torah” (Nechemyah 8.9 BJC). Ao ser confrontado pela Palavra, o povo se entristeceu. O que para muitos parece um sinal positivo, foi visto por Nechemyah e ‘Ezra como algo que deveria parar. A orientação dada por eles ao povo foi para não chorarem, ou seja, a emoção deveria ser deixada de lado para que o pleno entendimento da Palavra gerasse frutos.
            É relativamente fácil tocar a emoção de um povo. Um vídeo, algumas palavras bonitas, uma música bem tocada, pode levar nossas emoções e fazer-nos aceitar determinados fatos. Um bom orador consegue te convencer de qualquer coisa. Mas não era este o propósito da leitura da Torah e certamente não é este o propósito do Senhor nos dias de hoje. Embora somos seres emocionais nossa emoção muda constantemente, deste modo não podemos confiar nas mesmas para algo tão importante quanto o ensino da Torah. Mosheh em D’varim diz: “Não façam nada da maneira que fazemos aqui hoje, onde cada um faz o que lhe parece melhor;” (D’varim 12.8 BJC). Isto é o fruto de nossas emoções: cada um faz o que sentir de fazer, o que acha que é a vontade de Deus.
            Mas se deixarmos nossas emoções de lados e abrirmos nossa mente e o nosso coração às verdades do Senhor declaradas em Sua Palavra entenderemos que “hoje é um dia consagrado ao nosso Senhor. Não fiquem tristes, pois a alegria de ADONAI é a sua força.” (Nechemyah 8.10 BJC). Observe que não é a nossa alegria, mas a alegria do Senhor. Assim quando através das Escrituras nos esforçamos para alegrar nosso Deus, é que somos um povo forte.
            A leitura da Torah, conforme mencionamos acima, começou em Rosh Hashaná. Embora o texto não afirme isto, pelo tempo que o povo ficou lendo diariamente as Escrituras ela passou por Yom Kipur, que marca o arrependimento e a expiação do povo de Yisra’el e chegou até Sucot.
            A primeira consequência deste tempo em que a Palavra do Senhor foi ensinada foi a restauração de Sucot (Ne 8.13-18). O Tanakh [Antigo Testamento] declara que desde os tempos de Yeshua [Josué], aproximadamente 1420 A.E.C. não se festejava esta data conforme o ordenado. Sucot é uma festa profética, pois lembra o reajuntamento e a restauração de Yisra’el sob o Reino Messiânico. É através do Ensino da Palavra que somos estabelecidos no Reino do Messias.
            Logo após Sucot temos a festa de Simchat Torah. Embora esta data não seja ordenada nas páginas das Escrituras, é uma grande festa, onde os judeus se alegram pela Torah dançando os rolos da Lei em seus braços. Esta alegria pelo ensinamento trazido pela Palavra do Senhor gera em nossos corações o verdadeiro arrependimento, não um simples remorso.
            O arrependimento genuíno é uma mudança de pensamento, gerada pelo ensino da Lei, uma mudança de sentimento, gerada pelo Ruach Hakodesh [Espírito Santo] em nosso interior, e uma mudança de atitude, gerada pela nossa decisão de nos adequarmos à Palavra do Senhor (Ne 9.1-3).
            O Ensino da Palavra produz em nós um pleno conhecimento de Deus, e somente os lábios daqueles que conhecem ao Senhor conseguem louvá-lo verdadeiramente. Deste modo o ensino da Palavra produz como consequência o louvor genuíno (Ne 9.4-37). Não podemos louvar quem não conhecemos, e a falta deste conhecimento muitas vezes tem produzido um louvor com falsidade.
            Após isto, o ensino levou ao povo a reestabelecer a aliança que tinham com Deus (Ne 9.38-10.39). Com corações arrependidos e um conhecimento do Senhor eles assumiram o compromisso de viver para o Senhor. “Eles verdadeiramente são o povo de Deus porque estão dispostos a agir como tal.” (HOUSE, Paul. Teologia do Antigo Testamento, p. 655).
            E somente depois de tudo isto é que o trabalho de Nechemyah, a reconstrução dos muros de Yerushalayim, foi dedicado ao Senhor (Ne 12.27-43). A obra de Deus não pode ser feita da forma que queremos, nem fazer aquilo que desejamos. Só podemos realizar a obra do Senhor se estamos debaixo de Sua Palavra.
            E por fim, o ensino da Torah trouxe a restauração do serviço no Templo (Ne 12.44-47). É o ensino da Palavra que irá restaurar nosso culto ao Senhor. O alvo de todo culto é o Senhor e não o homem. Deus é quem precisa ser cultuado em nossas vidas, nossas famílias e nossas reuniões. Passamos tempo demais tentando agradar a homens para atrair seguidores, conquistar fiéis e preencher os bancos vazios de nossos salões. Deus é quem precisa ser agradado quando nos reunimos em Seu nome.
            Como todas estas coisas surgiram após a leitura e o ensino da Torah promovida por ‘Ezra e pelos l’vi’im podemos concluir que não existe crescimento espiritual nem vida com Deus sem um aprendizado verdadeiro de Sua Palavra.

            Que este aprendizado seja nosso objetivo neste dia, e a cada dia de nossas vidas.