domingo, 24 de agosto de 2014

Eu, porém, vos digo.

“Não pensem que vim abolir a Torah [ensino, Lei, Pentateuco] ou os Profetas. Não vim abolir, mas completar. Sim, é verdade! Digo a vocês: até que os céus e a terra passem, nem mesmo um yud [menor letra do alfabeto hebraico] ou um traço da Torah passará – não até que todas as coisas que precisam acontecer tenham ocorrido. Portanto, quem desobedecer à menor dessas mitzvot [ordens, mandamentos] e ensinar outras pessoas a agirem da mesma forma será chamado ‘menor’ no Reino do Céu. Pois eu lhes digo: a menos que sua justiça seja muito maior que a dos mestres da Torah e dos p’rushim [fariseus], vocês não entrarão no Reino do Céu”.
(Mattityahu [Mateus] 5.17 a 20 BJC [Bíblia Judaica Completa])

            Estas são palavras de Yeshua [Jesus] ditas em cima de um monte a todos os seus talmidim [discípulos] e as multidões que o seguiam; foram proferidas durante o que conhecemos hoje como o Sermão do Monte narrados por Mattityahu [Mateus] e Lucas enquanto escreviam as boas-novas sobre Yeshua [Evangelho]. É um sermão relativamente longo, ocupando três dos vinte e oito capítulos do evangelho de Mattityahu, e gostaria de me ater a uma parte desta mensagem contida entre os versículos 21 e 48 do quinto capítulo deste evangelho onde Yeshua cita oito textos do Tanakh e fornece a sua interpretação a respeito dos mesmos.
            Embora fora desta seção, os versículos transcritos no início desta mensagem fornecem um bom pano de fundo para o que iremos tratar: em momento algum Yeshua está dizendo que a Torah ou sequer parte da mesma está ultrapassada. Muito pelo contrário, ele está incentivando seus ouvintes a valorizarem e a obedecerem às Palavras do Senhor gravadas nas Escrituras. Estes mesmos versículos, na tradução feita por Eugene Peterson dizem: “Não pensem, nem por um instante, que eu vim anular as Escrituras – a Lei de Deus ou os Profetas. Não estou aqui para anular, mas para cumprir. Estou reposicionando as coisas, ajuntando-as no quadro geral, para que fiquem no devido lugar. A Lei de Deus é mais real e duradoura que as estrelas do céu e que o chão debaixo dos nossos pés. Depois que as estrelas desaparecerem e a terra for consumida pelo fogo, a Lei de Deus ainda estará viva e operante. Se alguém considerar de pouca importância mesmo o menor item na Lei de Deus, estará diminuindo apenas a si mesmo.” (Mt 5.17-19 – A Mensagem).
            Em seguida Yeshua começa a citar o Tanakh e a interpretá-lo, utilizando a forma: “Foi dito..., mas eu lhes digo...”. Esta fórmula é muito relevante diante do contexto em que Yeshua e seus ouvintes viviam. Entre os séculos II e I a.C., após a revolta dos Macabeus, houve um reavivamento espiritual em Yerushalayim [Jerusalém], principalmente com a restauração do Templo de Yisra’el [Israel]. Diversos grupos israelitas se formaram, cada um com interpretações diferentes a respeito da Torah. Entre estes grupos conhecemos os fariseus, os saduceus, os essênios, e alguns outros. As interpretações dadas eram muitas vezes conflitantes e cada grupo se considerava os detentores do verdadeiro sentido da Lei.
            Assim, nos tempos de Yeshua, o povo estava acostumado a ver os debates entre os diversos grupos israelitas, com suas interpretações únicas. Quando Yeshua inicia esta seção em seu discurso ele levou os seus ouvintes a refletir sobre o que está sendo observado pelos mesmos: a tradição humana ou a Palavra de Deus. Esta reflexão é de muito valor hoje, quando observamos diversas pessoas utilizarem a Bíblia para defender o seu posicionamento, escolhendo para isto versículos isolados das Escrituras, que fora do contexto criam o pretexto necessário para colocarem a sua própria vontade acima da vontade de Deus. Assim, respondamos a nós mesmos duas perguntas. A primeira é: a quem temos ouvido, a Deus ou aos homens? E a segunda, e não menos importante: temos usado a Bíblia para ouvir ao Senhor falando ou para justificar nossos desejos e ações?
            Yeshua “veio completar nossa compreensão da Torá e os Profetas para que possamos tentar de modo mais eficiente ser e fazer o que eles dizem que devemos ser e fazer.” (STERN, David H., Comentário Judaico do Novo Testamento: Didática Paulista; Belo Horizonte: Editora Atos, 2008, p. 51). Ele veio para tornar pleno o significado da Torah.
            Este entendimento completo da vontade do Senhor tira a importância da prática legalista dos mandamentos do Senhor, como se tal prática nos tornaria merecedores de algo da parte de Deus. A Torah é boa, pois ela aponta para o propósito do Senhor em minha vida, e, conforme aprendemos nas palavras de Yeshua, tal propósito implica naquilo que verdadeiramente sou, não simplesmente no que faço.
            Assim, ouvimos o Mestre Yeshua dizendo: “Vocês ouviram o que foi dito aos nossos pais: ‘Não assassine’, e quem cometer assassinato estará sujeito a julgamento. Mas eu lhes digo: quem demonstrar ira contra seu irmão estará sujeito a julgamento.” (Mattityahu 5.21 e 22 BJC) e “Vocês ouviram o que foi dito aos nossos pais: ‘Não adultere’. Mas eu lhes digo: o homem que até mesmo olhar para uma mulher desejando-a ardentemente já cometeu adultério com ela no coração.” (Mattityahu 5.27 e 28 BJC). Ou seja, não importa se eu nunca tirar a vida de um ser humano, se simplesmente, em minha ira, desejar que alguém morra, já sou um assassino. Não importa se nunca me deitar com uma mulher que não seja minha esposa, se estes pensamentos estão em minha mente, eu já sou adultero. O Pai olha para quem eu sou, e não simplesmente para as obras de minhas mãos, visto que as mesmas apenas refletem meu caráter.
            Dito isto, é necessário que lembremos que não somos perfeitos. A Bíblia nos ensina que somos pecadores: “porque todos pecaram e não são capazes de merecer o louvor de Deus” (Romanos 3.23 BJC) e ainda “Se afirmamos que não temos pecado, enganamos a nós mesmos, e a verdade não está em nós. Se reconhecemos nossos pecados, então, por ser digno de confiança e justo, ele nos perdoará e nos purificará de toda injustiça.” (1 Yochanan [1 João] 1.8 e 9 BJC). Assim, a vida de um seguidor do Messias Yeshua é uma vida onde através da Palavra enxergamos as falhas em nosso caráter, através de nossa vida com Deus desejamos nos livrar das mesmas e a partir de então lutamos contra nós mesmos para deixa-las para traz. Tudo isto tendo a consciência que a graça do Senhor está sobre mim, para me perdoar e gerar transformação. É isto que podemos chamar de Novo Nascimento. Assim, o Novo Nascimento é uma nova vida que eu tenho no Messias Yeshua em relação a viver sabendo que tenho sobre mim a graça de Deus. Nesta vida vou errar, mas sei que Yeshua está sobre mim para me perdoar e me levantar.
            Embora imperfeitos, a perfeição deve ser a busca sincera em todos os seguidores de Yeshua. “Portanto, sejam perfeitos, como o Pai celestial de vocês é perfeito.” (Mattityahu 5.48 BJC), ou, em outra versão do mesmo versículo: “Resumindo, o que quero dizer é cresçam! Vocês são súditos do Reino; tratem de viver como tais. Assumam sua identidade, criada por Deus.” (A Mensagem). E não usar a Bíblia para esconder nossas falhas, e justificar nossos pecados. “Você não pode usar a cobertura da lei para mascarar uma falha moral.” (Mateus 5.32 – A Mensagem).

            O sermão “eu, porém, vos digo” de Yeshua aponta para a busca de uma nova vida com Deus. Uma vida transformada pela ação do Ruach-HaKodesh [Espírito Sato]. Uma verdadeira nova criatura, com novos valores, novos pensamentos e novos sentimentos. Uma vida que sabe que está na presença do Senhor a cada instante de seus dias, e se preocupa mais em ser agradável aos olhos desse Deus, do que aos homens. Os homens conhecem apenas a nossas ações, mas Deus conhece o nosso interior.

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