“Não
pensem que vim abolir a Torah [ensino,
Lei, Pentateuco] ou os Profetas. Não vim abolir, mas completar. Sim, é verdade!
Digo a vocês: até que os céus e a terra passem, nem mesmo um yud [menor letra do alfabeto hebraico] ou
um traço da Torah passará – não até
que todas as coisas que precisam acontecer tenham ocorrido. Portanto, quem
desobedecer à menor dessas mitzvot [ordens,
mandamentos] e ensinar outras pessoas a agirem da mesma forma será chamado
‘menor’ no Reino do Céu. Pois eu lhes digo: a menos que sua justiça seja muito
maior que a dos mestres da Torah e
dos p’rushim [fariseus], vocês não
entrarão no Reino do Céu”.
(Mattityahu [Mateus] 5.17
a 20 BJC [Bíblia Judaica Completa])
Estas são palavras de Yeshua [Jesus] ditas em cima de um
monte a todos os seus talmidim [discípulos]
e as multidões que o seguiam; foram proferidas durante o que conhecemos hoje
como o Sermão do Monte narrados por Mattityahu [Mateus] e Lucas enquanto
escreviam as boas-novas sobre Yeshua [Evangelho]. É um sermão relativamente
longo, ocupando três dos vinte e oito capítulos do evangelho de Mattityahu, e
gostaria de me ater a uma parte desta mensagem contida entre os versículos 21 e
48 do quinto capítulo deste evangelho onde Yeshua cita oito textos do Tanakh e fornece a sua interpretação a
respeito dos mesmos.
Embora fora desta seção, os versículos transcritos no
início desta mensagem fornecem um bom pano de fundo para o que iremos tratar:
em momento algum Yeshua está dizendo que a Torah
ou sequer parte da mesma está ultrapassada. Muito pelo contrário, ele está
incentivando seus ouvintes a valorizarem e a obedecerem às Palavras do Senhor
gravadas nas Escrituras. Estes mesmos versículos, na tradução feita por Eugene
Peterson dizem: “Não pensem, nem por um instante, que eu vim anular as
Escrituras – a Lei de Deus ou os Profetas. Não estou aqui para anular, mas para
cumprir. Estou reposicionando as coisas, ajuntando-as no quadro geral, para que
fiquem no devido lugar. A Lei de Deus é mais real e duradoura que as estrelas
do céu e que o chão debaixo dos nossos pés. Depois que as estrelas desaparecerem
e a terra for consumida pelo fogo, a Lei de Deus ainda estará viva e operante. Se alguém considerar de pouca importância
mesmo o menor item na Lei de Deus, estará diminuindo apenas a si mesmo.”
(Mt 5.17-19 – A Mensagem).
Em seguida Yeshua começa a citar o Tanakh e a interpretá-lo, utilizando a forma: “Foi dito..., mas eu
lhes digo...”. Esta fórmula é muito relevante diante do contexto em que Yeshua
e seus ouvintes viviam. Entre os séculos II e I a.C., após a revolta dos
Macabeus, houve um reavivamento espiritual em Yerushalayim [Jerusalém],
principalmente com a restauração do Templo de Yisra’el [Israel]. Diversos
grupos israelitas se formaram, cada um com interpretações diferentes a respeito
da Torah. Entre estes grupos
conhecemos os fariseus, os saduceus, os essênios, e alguns outros. As
interpretações dadas eram muitas vezes conflitantes e cada grupo se considerava
os detentores do verdadeiro sentido da Lei.
Assim, nos tempos de Yeshua, o povo estava acostumado a
ver os debates entre os diversos grupos israelitas, com suas interpretações
únicas. Quando Yeshua inicia esta seção em seu discurso ele levou os seus
ouvintes a refletir sobre o que está sendo observado pelos mesmos: a tradição
humana ou a Palavra de Deus. Esta reflexão é de muito valor hoje, quando
observamos diversas pessoas utilizarem a Bíblia para defender o seu
posicionamento, escolhendo para isto versículos isolados das Escrituras, que
fora do contexto criam o pretexto necessário para colocarem a sua própria
vontade acima da vontade de Deus. Assim, respondamos a nós mesmos duas
perguntas. A primeira é: a quem temos ouvido, a Deus ou aos homens? E a segunda,
e não menos importante: temos usado a Bíblia para ouvir ao Senhor falando ou
para justificar nossos desejos e ações?
Yeshua “veio completar nossa compreensão da Torá e os
Profetas para que possamos tentar de modo mais eficiente ser e fazer o que eles
dizem que devemos ser e fazer.” (STERN, David H., Comentário Judaico do Novo Testamento: Didática Paulista; Belo
Horizonte: Editora Atos, 2008, p. 51). Ele veio para tornar pleno o significado
da Torah.
Este entendimento completo da vontade do Senhor tira a
importância da prática legalista dos mandamentos do Senhor, como se tal prática
nos tornaria merecedores de algo da parte de Deus. A Torah é boa, pois ela aponta para o propósito do Senhor em minha
vida, e, conforme aprendemos nas palavras de Yeshua, tal propósito implica
naquilo que verdadeiramente sou, não simplesmente no que faço.
Assim, ouvimos o Mestre Yeshua dizendo: “Vocês ouviram o
que foi dito aos nossos pais: ‘Não assassine’, e quem cometer assassinato
estará sujeito a julgamento. Mas eu lhes digo: quem demonstrar ira contra seu
irmão estará sujeito a julgamento.” (Mattityahu 5.21 e 22 BJC) e “Vocês ouviram
o que foi dito aos nossos pais: ‘Não adultere’. Mas eu lhes digo: o homem que
até mesmo olhar para uma mulher desejando-a ardentemente já cometeu adultério
com ela no coração.” (Mattityahu 5.27 e 28 BJC). Ou seja, não importa se eu
nunca tirar a vida de um ser humano, se simplesmente, em minha ira, desejar que
alguém morra, já sou um assassino. Não importa se nunca me deitar com uma
mulher que não seja minha esposa, se estes pensamentos estão em minha mente, eu
já sou adultero. O Pai olha para quem eu sou, e não simplesmente para as obras
de minhas mãos, visto que as mesmas apenas refletem meu caráter.
Dito isto, é necessário que lembremos que não somos
perfeitos. A Bíblia nos ensina que somos pecadores: “porque todos pecaram e não
são capazes de merecer o louvor de Deus” (Romanos 3.23 BJC) e ainda “Se
afirmamos que não temos pecado, enganamos a nós mesmos, e a verdade não está em
nós. Se reconhecemos nossos pecados, então, por ser digno de confiança e justo,
ele nos perdoará e nos purificará de toda injustiça.” (1 Yochanan [1 João] 1.8
e 9 BJC). Assim, a vida de um seguidor do Messias Yeshua é uma vida onde
através da Palavra enxergamos as falhas em nosso caráter, através de nossa vida
com Deus desejamos nos livrar das mesmas e a partir de então lutamos contra nós
mesmos para deixa-las para traz. Tudo isto tendo a consciência que a graça do
Senhor está sobre mim, para me perdoar e gerar transformação. É isto que
podemos chamar de Novo Nascimento. Assim, o Novo Nascimento é uma nova vida que
eu tenho no Messias Yeshua em relação a viver sabendo que tenho sobre mim a
graça de Deus. Nesta vida vou errar, mas sei que Yeshua está sobre mim para me
perdoar e me levantar.
Embora imperfeitos, a perfeição deve ser a busca sincera
em todos os seguidores de Yeshua. “Portanto, sejam perfeitos, como o Pai
celestial de vocês é perfeito.” (Mattityahu 5.48 BJC), ou, em outra versão do
mesmo versículo: “Resumindo, o que quero dizer é cresçam! Vocês são súditos do
Reino; tratem de viver como tais. Assumam sua identidade, criada por Deus.” (A
Mensagem). E não usar a Bíblia para esconder nossas falhas, e justificar nossos
pecados. “Você não pode usar a cobertura da lei para mascarar uma falha moral.”
(Mateus 5.32 – A Mensagem).
O sermão “eu, porém, vos digo” de Yeshua aponta para a
busca de uma nova vida com Deus. Uma vida transformada pela ação do
Ruach-HaKodesh [Espírito Sato]. Uma verdadeira nova criatura, com novos
valores, novos pensamentos e novos sentimentos. Uma vida que sabe que está na
presença do Senhor a cada instante de seus dias, e se preocupa mais em ser
agradável aos olhos desse Deus, do que aos homens. Os homens conhecem apenas a
nossas ações, mas Deus conhece o nosso interior.
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